sábado, 11 de dezembro de 2010

3 poemas do "catálogo de soluções"



Das fotografias



Mais vale esquecer o que as fotografias significam
Amarelecem esvanecem mancham-se de fungos se as interrogamos
Como nós recusam o teatro de acasos – deixam-nos à interpretação
Nós aprendemos a olhá-las como Deus vê o Mundo – uma geografia
de harmonias distantes com ritmos e sobressaltos que
se nos surpreendem
aproximamo-nos para ver o detalhe





Das explicações furibundas



É preciso explicar tudo
Para isso é preciso treinar o pensamento
na geometria furiosa da paixão – apreender do éter os tesouros
e das nuvens a resistência à aritmética violenta do tempo
Ao retornar à Terra o pensamento deverá separar os efeitos
da bondade e da justiça e também os seus excessos –
atribuir-lhes causas que são equações com a nobreza do vento
que ao amadurecer os frutos solucionam – Mas
para explicar tudo o que ficou por explicar
é preciso ludibriar o pensamento – cerrar-lhe os olhos
de prestidigitador levá-lo muito atrás onde ainda nada existe
senão uma vontade deslocalizada e um amor generoso
e levá-lo adiante onde tudo pode existir – ou não –
Ao evitar a palavra caos passámos a identidade das coisas
passámos a sua própria existência e o universo assim explicado
extravasa da existência e pode não existir




Para uma teologia pragmática


Depois de ter escrito longamente
sobre a ideia de Deus – Deus começa a existir
na suavidade das pequenas sílabas – Ainda não ele
mas uma sombra inatingível no horizonte – Percebemos então
no exercício da língua passarmos num corredor cheio de janelas
cerradas e apenas pequenas frinchas fazerem supor a luz e a
realidade
Ninguém a vai reconstruir ao contrário do que a imagina
Quem procura a luz deslumbra-se com o que pode afirmar
Quem se fecha na própria escuridão pensa sem o pensamento
e quando retoma a língua
pode prescindir de muitas coisas necessárias

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

"catálogo de soluções" - poemas de Nuno Félix da Costa






Sabemos que os tempos estão maus para a poesia. 
Em tempos de vacas magras os livros vendem-se menos e a poesia menos ainda. As grandes editoras, grandes barcos a enfrentar grandes tormentas, não se arriscam a “aventuras”. Os poetas “menos conhecidos” têm de estar preparados para esperar por melhores tempos. Ou de procurar outras soluções para chegarem aos leitores.
As chamadas “edições de autor” (que, aliás, não são nenhuma invenção recente) são uma dessas soluções. Como esta que aqui lhe propomos: uma editora quase ad-hoc, com custos reduzidos, sem “despesas de manutenção”, sem pessoal, com distribuição mão-a-mão. Como se o livro fosse à procura dos seus leitores.
É o caso de “catálogo de soluções”, de Nuno Félix da Costa.
Para a apresentação do livro, pedimos ao Zé Lima, primeiro leitor do livro, uma opinião, que pudesse servir de indicação para outros leitores, e ele escreveu o texto que aqui se inclui (“Uma Leitura Possível”).


Uma leitura possível

Não sendo um percurso iniciático – com patamares de compreensão, com aproximações ritualizadas de uma verdade última – há neste livro qualquer coisa de uma ascese, de um despojamento sucessivo, conduzindo ao que poderíamos considerar uma instância final, irredutível.
Que essa instância seja deus é o que parecem sugerir várias pistas assinaladas nos poemas. Pistas frágeis, porém, que o leitor acabará por ignorar se quiser progredir no caminho de certo modo proposto. O deus destes poemas, a palavra deus que aparece nestes poemas, nada tem a ver com o Deus das religiões – com mediações rituais, com ritos de apaziguamento e de gratificação. Seria quando muito uma forma de designar a ausência que toda a presença esconde, o que está para além (por trás) da chamada realidade, das coisas e das palavras que as nomeiam. Como se a chamada realidade fosse apenas uma instância (passageira e ilusória) que há que vencer para aceder a um momento que lhe é anterior.
O poeta não se detém nesse limiar; a chamada realidade é aqui quase inexistente. Nestes versos há uma quase total ausência de referências ao quotidiano, aos lugares, as coisas, os sentimentos a que chamamos a realidade quotidiana. Essa ausência é uma primeira causa da desorientação inicial do leitor. Toda, quase toda, a convenção literária ocidental assenta nesse pressuposto: na partilha com o leitor dessa referência comum, das coisas, das imagens, das ilusões, afinal, da “nossa comum humanidade”.
Na verdade, o que é proposto ao leitor situa-se num momento anterior: no princípio anterior a essa realidade. E no princípio eram as palavras, o momento em que a palavra melhor poderá encontrar o seu fulgor original, como nos é dito no belíssimo poema “O mundo a fazer-se”:

Um dia que a luz se abra as palavras virão como o vento
Nós estaremos para acontecer e ao percebê-las chegar
oferecemos-lhe a consciência e depois o resto
do Mundo – faz-se.

A própria ideia de deus, parece emergir da palavra – é o que se pode entender no poema “Para uma teologia pragmática”:

Depois de ter escrito longamente
sobre a ideia de Deus – Deus começa a existir
na suavidade das pequenas sílabas – Ainda não ele
mas uma sombra inatingível no horizonte – Percebemos então
no exercício da língua passarmos num corredor cheio de janelas
cerradas e apenas pequenas frinchas fazerem supor a luz e a
realidade

É sabido como no mito bíblico Deus começa por dar um nome às coisas. De certo modo nomeá-las é dar-lhes existência. É disso também que nos falam estes poemas, dessa força das palavras, da “pujança das palavras ordinárias – basta cantá-las com a veemência de uma criança ao nascer”, como diz no extraordinário poema “Agradecimento a Kurt Gödel”.
E no entanto, as palavras continuam ainda sujeitas a sossobrar, a perder as suas âncoras na realidade das coisas que nomeiam. Sem objecto, as palavras vagueiam no caos (Mas as palavras perderam as âncoras / Navegam no puro gosto de navegar / Outras contemplam o cadáver dos seus objectos), são enterradas (“Agora podemos enterrar o corpo das palavras”).
Despojado sequer desse refúgio, como se essa nudez radical nos fosse exigida, somos finalmente remetidos para o momento que lhe é anterior, liberto de todas as aparências, inicial e puro, uma última instância, e essa irredutível. Chame-se-lhe deus, chame-se-lhe tao, não é isso que importa aqui. Porque é antes de uma ausência que estes poemas falam, ausência sem nome, a que às vezes se chama deus. Parafraseando o paradoxo de Daniel Siniavski sobre o amor, poderíamos aqui dizer: “Deus não existe, mas é o que mais se lhe assemelha”.
O que estes poemas nos propõem (e é apenas uma leitura possível…) é antes o questionamento radical da nossa condição. E para o fazer há, primeiro, que desimpedir o caminho de toda a tralha que fomos acumulando ao longo de séculos de civilização – de mediações entre nós e esse momento que todos buscamos de um modo ou outro.
E essa é uma aventura irremediavelmente solitária e irremediavelmente necessária, sem o que não seríamos mais do que os autómatos sensatos, de que nos fala um poema de uma construção quase perfeita, precisamente com esse título (“Para nós os propósitos nunca são claros – Quem nos ama / tolera o erro que persuade e a sombra que nos vela a natureza / afundada em automatismos sem governo”).

José Lima


quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

como comprar "catálogo de soluções"

“catálogo de soluções” poderá ser encomendado, através de pedido para:
procedendo do seguinte modo:
1 – mandar um e-mail indicando o número de exemplares que deseja, a morada para onde devem ser enviados e o NIB do comprador.
2 – Pagar pelo Multibanco através de transferência (usando a conta do NIB indicado) para a conta nº 0007 0840 0000 0050 0087 1
3 - O livro será enviado logo que nos chegue o pagamento.

Preço (portes incluídos): 10 euros

O livro está também à venda nas seguintes livrarias:
em Lisboa:
Livraria Assírio e Alvim – R. Passos Manuel
Livraria Almedina – Centro Comercial Atrium Saldanha 
Livraria Almedina – Centro de Arte Moderna - Gulbenkian
Livraria Pó dos Livros - Av. Marquês de Tomar, 89
Livraria Poesia Incompleta - Rua Cecílio de Sousa, 11

em Braga:
Livraria Centésima Página – Av Central, 118

no Porto:
Livraria Almedina – Arrábida Shopping

em Coimbra:
Livraria Almedina – Estádio Coimbra


sábado, 11 de outubro de 2008

Portulíndia




PORTULÍNDIA

Fora do documentalismo e do fotojornalismo a Fotografia passa-se à volta do mistério da visibilidade – como o instante se transforma na massa que o corpo absorve; saboreá-lo é imaginarmo-nos pertencer ao que acontece num lugar – este é o ver que a fotografia quer revelar. O fotógrafo procura formas invisíveis para o olhar profano e tenta dar relevo ao seu misterioso significar como se, de uma ânsia de nas coisas se espelhar, o homem encontrasse o discurso do lugar e o discurso da assimilação. Tudo lhe é referido. Assim se apagam as diferenças dos lugares; as formas aproximam-se como se esse lugar-nenhum-ultra-real tornasse a visibilidade das coisas um processo nítido. As coisas possuem então uma beleza abstracta – atópica, contudo tão útil como seria um mapa que nos guiasse em qualquer cidade, tão consumível como as coisas impossíveis de apropriar ou de entendimento, simplesmente porque são os paradigmas que estruturam as coisas reais, as formas particulares, o seu exotismo, a sua etnicidade.
O que une estas imagens não é, portanto, o lugar nem qualquer aspecto que permita provocar afinidades (ou contrastes) entre lugares, mas estruturas que marcam a forma como esses lugares podem ser admirados, habitados, visitados. Como se, no limite em que essa compreensão dos lugares reside, a forma encontrada coincidisse na melhor fotografia desse lugar, tão paradigmática como um verso, universal como um aforismo, a que torna as outras redundantes – e esse limite existisse implícito no que em cada imagem falha.
Índia e Portugal são duas geografias percorridas nesta perspectiva a-geográfica – poderiam ser outros quaisquer lugares e apenas as vicissitudes fragmentárias da autoria as justificam. Esta fenomenologia do visual começa no princípio do olhar, um fluxo que se entranha na carne do autor e que a fotografia elabora no sentido de uma caracterização atópica – não é próprio da época falar-se de caracterização utópica que teria um sentido próximo, mas o processo, ao descaracterizar as imagens para que signifiquem, torna-as estáveis e belas.


(Nuno Felix da Costa, da introdução)

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Prolegómenos para uma metadocumentalidade (A propósito do “Portulíndia”)


1
Um livro tem que abrir com um espaço sagrado, onde o que é descrito, por definição, nunca se esgota nem se consuma.
2
Dever-se-ia tentar mostrar que isto é ubiquitário, não ser essa a essência do sagrado; as imagens profanas são sagradas pelo mesmo processo – ou sacralizam-se quando vencem a sua condição de instantâneos.
3
Um livro tem que retornar ao princípio quando pretende concluir – é a essência da poesia (e da sabedoria?) a que ele não pode escapar.
4
Deve-se usar com a maior parcimónia a retórica da impressão da imagem (contrastes, grão, tons). O valor de sedução que possuem gasta-se e não resiste ao segundo olhar.
5
Nenhuma obra deve aspirar a uma grande disseminação; a sua arquitectura deve ser quase autística no sentido de centrada na própria lógica interna e avessa a concessões espampanantes e a grafismos inúteis. Subordiná-los sempre à lógica e ao teor da obra.
6
O mostrar deve esconder a autoria no sentido de prescindir de afirmar um estilo ou um modo de ver, tão só visar empenhadamente um resultado meritório e significativo, isto é, que acrescente alguma coisa ao corpus fotográfico.
7
Cada fotografia vive da sua circunstância, a sua humildade de instante, de encontro e passagem. Um modo de organizar a imagem muito estruturado (na acepção da simetria, da distribuição dos elementos nos planos, do equilíbrio final que visa) pode conter uma conotação epopeica, de verdade acabada que, embora respeitável noutros autores, não me pertence.


domingo, 5 de outubro de 2008

como comprar "portulíndia"

“Portulíndia” pode ser encomendado, através de pedido para:
procedendo do seguinte modo:
1 – mandar um e-mail indicando o número de exemplares que deseja, a morada para onde devem ser enviados e o NIB do comprador.
2 – Pagar pelo Multibanco através de transferência (usando a conta do NIB indicado) para a conta nº 0007 0840 0000 0050 0087 1
3 - O livro será enviado logo que nos chegue o pagamento.

Preço (portes incluídos): 30 euros

O livro está também à venda nas seguintes livrarias:
em Lisboa:
Livraria Almedina – Centro Comercial Atrium Saldanha 
Livraria Almedina – Centro de Arte Moderna - Gulbenkian
Ler Devagar - LX Factory - Alcântara

no Porto:
Livraria Almedina – Arrábida Shopping
Livraria Inc

em Coimbra:
Livraria Almedina – Estádio Coimbra