sábado, 11 de outubro de 2008

Portulíndia




PORTULÍNDIA

Fora do documentalismo e do fotojornalismo a Fotografia passa-se à volta do mistério da visibilidade – como o instante se transforma na massa que o corpo absorve; saboreá-lo é imaginarmo-nos pertencer ao que acontece num lugar – este é o ver que a fotografia quer revelar. O fotógrafo procura formas invisíveis para o olhar profano e tenta dar relevo ao seu misterioso significar como se, de uma ânsia de nas coisas se espelhar, o homem encontrasse o discurso do lugar e o discurso da assimilação. Tudo lhe é referido. Assim se apagam as diferenças dos lugares; as formas aproximam-se como se esse lugar-nenhum-ultra-real tornasse a visibilidade das coisas um processo nítido. As coisas possuem então uma beleza abstracta – atópica, contudo tão útil como seria um mapa que nos guiasse em qualquer cidade, tão consumível como as coisas impossíveis de apropriar ou de entendimento, simplesmente porque são os paradigmas que estruturam as coisas reais, as formas particulares, o seu exotismo, a sua etnicidade.
O que une estas imagens não é, portanto, o lugar nem qualquer aspecto que permita provocar afinidades (ou contrastes) entre lugares, mas estruturas que marcam a forma como esses lugares podem ser admirados, habitados, visitados. Como se, no limite em que essa compreensão dos lugares reside, a forma encontrada coincidisse na melhor fotografia desse lugar, tão paradigmática como um verso, universal como um aforismo, a que torna as outras redundantes – e esse limite existisse implícito no que em cada imagem falha.
Índia e Portugal são duas geografias percorridas nesta perspectiva a-geográfica – poderiam ser outros quaisquer lugares e apenas as vicissitudes fragmentárias da autoria as justificam. Esta fenomenologia do visual começa no princípio do olhar, um fluxo que se entranha na carne do autor e que a fotografia elabora no sentido de uma caracterização atópica – não é próprio da época falar-se de caracterização utópica que teria um sentido próximo, mas o processo, ao descaracterizar as imagens para que signifiquem, torna-as estáveis e belas.


(Nuno Felix da Costa, da introdução)

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